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A “Grande Reconfiguração” do Capitalismo, pelos capitalistas

Francisco Dinis

Em Davos, na Suíça, o início de cada ano reúne a elite económica, no Fórum Económico Mundial (FEM) (World Economic Forum, em inglês), cuja a missão é “melhorar o estado do mundo, envolvendo líderes empresariais, políticos, académicos e outros líderes da sociedade para moldar as agendas globais, regionais e industriais”.

            Em Abril de 2020, o FEM publicou um artigo (1) onde defende que a pandemia COVID-19 está ligada à destruição da natureza. O número de doenças emergentes está a aumentar,  relacionando o fenómeno com a desflorestação e a perda de espécies. No artigo, existem vários exemplos de degradação dos sistemas ecológicos causada pelo homem. Também é dito que metade do PIB global é moderadamente ou amplamente dependente da natureza. O artigo conclui que a recuperação da pandemia tem de estar ligada à recuperação da natureza.

            Em Junho passado Klaus Schwab (fundador e responsável do FEM) apresentou o tema para o Fórum deste ano: “The Great Reset”, que decorre de 25 a 29 de Janeiro, com vários temas: “How to save the planet”; “Fair Economies”; “Tech for Good”; “Society and Future Work”; “Better Business”; “Healthy Futures and Beyond Geopolitics” (2)

            Sobre a questão ambiental o Fórum propõe um plano para uma recuperação verde, incluindo um reforço da economia circular. Dentre dos métodos mencionados, destacam-se a construção ecológica, transporte sustentável, agricultura biológica, energias renováveis e veículos elétricos. Estas propostas estão incluídas no denominado capitalismo verde, procurando-se uma redução do impacto ambiental nos processos de produção, uso da reciclagem, eficiência energética e tecnológica.

            Desde há muito tempo sabemos que, se toda a população mundial consumisse a mesma quantidade de recursos que os países mais ricos consomem, tínhamos que ter mais planetas disponíveis do que aquele onde vivemos. Cada vez mais pessoas vão ganhando consciência do que significa isto no mundo real, nos nossos estilos de vida, na destruição do mundo natural e da ameaça real à permanência da civilização humana na Terra. Assim, existe uma contradição na terminologia “capitalismo verde”, pois o objectivo principal do capitalismo é a acumulação de capital, para tal é necessário um crescimento económico constante, e este crescimento será sempre ambientalmente destrutivo, por mais verde que seja, pois a longo prazo a natureza tem limites. Poderemos até ser mais eficientes a usar os recursos naturais, mas continuaremos a destruir. Levaremos mais tempo, mas chegaremos ao seu esgotamento.

             Outro aspecto do Fórum deste ano é a defesa de uma cooperação entre os”stakeholders” da economia, para gerirem as consequências desta pandemia, através de um redesenho do sistema socio-económico capitalista. Isso mesmo, os multimilionários defendem que a estrutura actual deve ser modificada, porque para além da destruição ambiental, a desigualdade económica sistémica ameaça colapsar todo o edifício. Nesse sentido, o FEM está a repescar o conceito de “stakeholder capitalism” e tentar aplicar-lo no momento pós pandemia, ao invés do actual modelo de “shareholder capitalism” (proprietários do capital).

            Qual a diferença entre os dois conceitos? O actual modelo baseado no “Shareholder capitalism” dá primazia a um objectivo único – o de canalizar o máximo possível de dinheiro para os proprietários da empresa (os “shareholders”). Os proponentes do ”stakeholder capitalism” defendem que para além dos proprietários, a empresa deve ter em consideração os trabalhadores, fornecedores, clientes, pois de outra forma as corporações aumentarão sempre a desigualdade económica dentro da sociedade, nessa ânsia de maximização da acumulação destinada aos “shareholders”. Ver debate em (4 e 5).

            Existe um conjunto de reações a estas propostas. Alguns podem dizer que são apenas cosmética, que daqui a alguns anos volta tudo à mesma, com algum marketing a evidenciar algo de positivo feito no entretanto. Os observadores mais à direita dizem que é uma forma de introduzir ideias socialistas e de esquerda, perigosas para o capitalismo. Os fãs (ou fanáticos) da liberdade individual acima de tudo, sentem-se incomodados também, pois uma série de restrições à sua vontade serão impostas por instituições que, afirmam, querem controlar a nossa sociedade global (claro não falando de teorias da conspiração sobre o “Great Reset”, que vão povoando o espaço cibernético, quais histórias mitológicas modernas, onde a racionalidade e a prova factual está ausente).

            Do ponto de vista de Prout o sistema capitalista não conseguirá garantir uma permanente distribuição de riqueza na sociedade, nem uma proteção ambiental adequada, pois na ausência de democracia económica nunca poderá haver um escrutínio e transparência das decisões que impactam todos os intervenientes no sistema, nem haverá um poder  económico descentralizado efectivo (pois muitos continuarão não ter voz), para atingir soluções que atendam às necessidades de todos os seres humanos e não só. Pois uma coisa é termos uma democracia formal, no papel, para sentirmos bem, outra é uma democracia real, vivida e sentida.

            O Great Reset do FEM é uma tentativa de reformar o sistema capitalista. Por um lado o capitalismo verde promete melhorar o ambiente, num processo de transição para um mundo mais ecológico, e o “stakeholder capitalism”, diminuir a desigualdade económica. No fundo temos um grupo de pessoas que actualmente detêm o poder económico, com capacidade de tomar grandes decisões económicas e/ou influenciar políticas públicas, decidir ter um pouco menos de rendimento/riqueza, para evitar um colapso total.

            Antes da implosão do sistema comunista houve também uma tentativa de reforma, a chamada Perestroika do então presidente da USRR, Gorbatchev. Passado alguns anos todo o sistema soviético ruiu literalmente, com a queda do muro de Berlin, “numa bela noite”. O que vai acontecer ao sistema capitalista actual? A ver veremos…

(1) https://www.weforum.org/agenda/2020/04/covid-19-nature-deforestation-recovery/

(2) https://www.weforum.org/events/the-davos-agenda-2021

(3) https://www.rs21.org.uk/2019/03/16/revolutionary-reflections-green-capitalism-a-critical-review-of-the-literature-part-iii/

(4) https://qz.com/1909715/the-difference-between-stakeholder-and-shareholder-capitalism/

(45 https://www.weforum.org/agenda/2020/01/shift-to-stakeholder-capitalism-is-up-to-us/

Maheshvara PachecoA “Grande Reconfiguração” do Capitalismo, pelos capitalistas
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