Como melhorar a Democracia Hoje? Com uma nova Visão…

O conceito de democracia pressupõe que os sujeitos afetados por uma decisão tenham algo a dizer ou algum poder para influenciar a decisão final. Estamos habituados a ter um voto na eleição dos candidatos a cargos públicos de 4 em 4 anos e assim influenciar o nosso destino coletivo.

Apesar da experiência democrática da Grécia na antiguidade, com características peculiares, o sistema democrático atual nasce da luta entre o poder absoluto das monarquias (sistema feudal) e o desejo de controlar e de limitar esta estrutura política, especialmente pela classe das pessoas de negócio, pois aquele sistema era bloqueador das suas atividades. Assistiu-se à procura de liberdade pessoal perante esse desenho político. As revoluções Francesa e Americana são momentos marcantes e mais conhecidos nos processos de limitação do poder absoluto em termos históricos, mas em Inglaterra, mais de cem anos antes, um rei absoluto perdeu também a cabeça como resultado desta luta, entre o sistema absolutista e parlamentar. Uma corrente filosófica assim foi desenvolvida, com o nome de Liberalismo. Quais as suas características?


Liberdade de Expressão
Liberdade de Imprensa
Liberdade Religiosa
Mercados Livres
Direitos Civis
Sociedades Democráticas
Separação entre Estado e Religião
Igualdade de Género
Cooperação Internacional

Qual a racionalidade na Filosofia Política Liberal? E o porquê da necessidade de disseminação das democracias liberais, recorrendo à força se necessário? (1)


O centro dessa filosofia é o indivíduo, a sua liberdade e um conjunto de direitos inalienáveis, ou seja aplicados a todos os seres humanos. Assim é necessário espalhar a democracia para a proteção dos direitos humanos, que passam a ser mais importantes do que as nações e o seu contexto cultural e histórico. Se um regime político está a matar o seu povo (na realidade ou na propaganda), então a filosofia defende a necessidade e a legitimidade de invadir esse país, mudar esse regime e substituir por uma democracia liberal. O espírito de cruzada está presente, mudar o mundo para “melhor”, recorrendo à violência militar, se necessário.


Outro argumento para a disseminação dos regimes liberais é a dita capacidade de trazer a paz internacional, como depois do choque da destruição da II Guerra Mundial. Aqui na teoria liberal entra o conceito de tolerância e respeito pelos direitos dos outros indivíduos que são diferentes. Isto permite a ausência de violência entre grupos humanos. Assim o Estado Liberal é chamado a redigir um contrato social e torna se assim uma Autoridade Superior que garante que esses direitos de cada indivíduo sejam respeitados, porque sem esta organização seria a anarquia ou o tribalismo e não havia direitos para ninguém.

Agora exemplos recentes de implementações no mundo real destas ideias liberais e consequências?

A “cruzada” global para a disseminação de certos ideais é facilitada quando estamos num mundo unipolar, na presença de uma grande potência económica e militar, que pode agir sem grandes restrições. Tal aconteceu até há bem pouco tempo com o EUA, depois da queda da União Soviética, surgiu um período de 30 anos de hegemonia norte americana. Com as ameaças (reais ou não) de proliferação nuclear (Irão e Coreia do Norte, por exemplo) e terrorista do médio Oriente, os EUA decidiram optar por mudanças de regimes nessa parte do globo, tirando partido da sua vantagem histórica (ver Wolfowitz Doctrine – 2). Invasões no Afeganistão e Iraque, seguidos por ações contra o Irão, a Síria, Líbia etc, iriam tornar esta zona conturbada num oásis de paz e estabilidade, pois teriam democracias, os direitos dos indivíduos seriam respeitados e a tolerância seria um facto adquirido (3). Todas estas construções mentais caíram por terra com a realidade que todos nós conhecemos. Ódios, ressentimentos, confusões, morte, destruição, refugiados e o sem fim sofrimento que as guerras trazem, foram o resultado dessa política tecida no “céu liberal”. Mas do ponto de vista Ocidental todos estas consequências ficaram algo lá longe, do outro lado do mundo:
“longe da vista longe do coração…”


Agora estamos novamente em guerra, não numa parte de mundo distante, mas na Europa. E claro, para nós Ocidentais há um grande choque, porque é no continente que aplicamos os conceitos da filosofia liberal após a grande destruição da II Guerra Mundial. Nas nossas mentes havia uma sensação de segurança, há mais de 70 anos não havia este nível de conflito, exceção aquando dos eventos na antiga Jugoslávia nos anos 90, mas sem grande impacto na vida dos outros países. Paz, tolerância, respeito e criação de riqueza dentro do sistema sócio económico capitalista pareciam ser a receita e a prova do que as doutrinas baseadas nas filosofias liberais funcionavam. O que aconteceu para perdermos o “paraíso”?

Más experiências democráticas e ascensão de outros poderes na cena mundial, com outros valores…

Para além da tentativa de implementação no Médio Oriente, a democracia Liberal foi experimentada também na Rússia nos anos 90, com resultados pouco favoráveis, com o aumento da pobreza, da criminalidade, do enriquecimento ilimitado de alguns (oligarcas), entrada das multinacionais estrangeiras, etc. O Estado tornou-se fraco, o seu líder democrático Yeltsin tinha dependência com o álcool e o controlo da Rússia por interesses estrangeiros foi mais do que evidente. Depois desta experiência democrática “traumatizante”, a Rússia escolheu um líder com outras características: forte, nacionalista e pragmático. Reorganizou o país e apesar de não ser uma potência económica global, a sua vontade, realisticamente deve ser escutada, pois armas nucleares andam por aí. A Rússia segue o caminho do nacionalismo, que é um sentimento que une pessoas e está fora da lógica de pensamento liberal, sendo pensado para ser global e não reconhecer as fronteiras, a história, as tradições e a cultura de cada país.

Outra história de outro país, neste mesmo período de tempo, é a China, que depois da sua entrada por volta do ano 2000 no sistema internacional do comércio, tornou-se na fábrica do mundo. O que pesou muita nesta decisão foram os cálculos dos capitalistas, de quanto iriam ganhar ao fazerem os seus investimentos nesse País, em vez de o fazerem na Europa ou nas Américas, como por exemplo: mão de obra mais barata, poucas ou nenhumas restrições ambientais, etc … resumindo, uma receita para a maximização dos lucros, o mais rápido possível. Contudo, o regime continua a ser de um partido comunista, sem a grande ideologia tradicional, mas representa um Estado forte e centralizador. Ou seja pode-se fazer negócios, mas há um regulador forte, que pode mudar as regras do jogo, se o “interesse nacional” assim determinar. Antes da crença no sistema capitalista, onde uma classe social é adorada e privilegiada, a China segue também o caminho do nacionalismo, focada numa tradição histórica e numa visão do mundo própria.

A América de Trump tinha também esta proposta, voltar à nação. E é claro que com tantos eleitores que perderam poder de compra e empregos nesse país devido ao processo de globalização económica, o discurso de “América Primeiro” ressoou no coração de muitos. O Brexit foi também um “grito” para o regresso do Reino Unido ao espaço nacional. Neste contexto de descontentamento de camadas da população no mundo ocidental pelos resultados das políticas liberais presentes no processo de globalização, a ascensão da China e a implementação de acordos globais como os BRICS (Brasil, Russia, Índia, China e África de Sul) estão a abrir espaço para um mundo multipolar, mais regional, fora do contexto da ordem internacional desenvolvida em Bretton Woods (1944).


Por isso esta guerra é mais complexa do que a narrativa que estamos perante um louco, megalómano e tirânico, e que os Russos vão se revoltar, retirar o ditador e implementar um regime liberal e tudo volta atrás. Na realidade este é mais um episódio, com graves consequências, de uma luta pela hegemonia mundial, entre o sistema ocidental com os seus valores e a ascensão de uma potência rival a China, que coloca em xeque o status quo global a que estávamos habituados.

Não vamos entrar em grandes detalhes, mas parece que não existe vontade de evitar o escalar do conflito na Europa, expressões de “lutar até ao último Ucraniano”, por parte de responsáveis estrangeiros, demonstram o interesse em perpetuar a guerra por interesses geo políticos, com o risco de uma espiral de violência que poderá envolver outros países, que vão acabar por levar os europeus e não só, a viver dificuldades económicas – visível até agora nos custos dos combustíveis e em produtos alimentares. Para além da destruição física e humana esta guerra, como todas, poderá gerar ódios que permanecerão connosco por algumas gerações.

O Liberalismo historicamente trouxe um conjunto de valores às sociedades ocidentais, que permitiram redesenhar o Estado, através do modelo democrático e de um novo contrato social, onde um conjunto de liberdades individuais inalienáveis são reconhecidas. Um sistema sócio económico surgiu dentro deste contexto, onde a classe social dedicada aos negócios tornou se livre para acumular poder económico. Por isso, tradicionalmente associamos democracia a desenvolvimento económico e a bem estar material para a sociedade, só que em vez de serem os aristocratas ou os intelectuais a controlarem o Estado, são os membros da classe com maior poder económico a fazê-lo hoje em dia, com cada vez mais prejuízo para as outras classes, bem como para a natureza.

Nesta encruzilhada histórica, que é exemplificada neste conflito na Europa, ou voltamos aos nacionalismos, às nossas paróquias, ou continuamos a destruir o planeta com palavras bonitas ou encontraremos algo novo. A Teoria de Utilização Progressiva apresenta soluções a ter em consideração. Por exemplo, para existir uma verdadeira Democracia política o eleitorado deve ser educado, ou seja não ser facilmente manipulado por demagogos, ou pelos interesses de determinados grupos. Os candidatos aos cargos públicos deveriam ser reconhecidos pela sua base ética e a informação deve ser transparente, para que um debate esclarecedor possa ajudar a tomar decisões mais adequadas. Neste momento, em certos países, para um candidato ter hipótese de ser eleito tem que contar com apoio financeiro avultado, dando azo a uma série da favores e interesses particulares a salvaguardar, que muitas vezes vão contra o interesse do coletivo. Também muita propaganda e narrativas são construídas para iludir as pessoas sobre a realidade e criar ambientes emocionais para que determinada decisão seja tomada e certos grupos possam continuar no poder.

Nesta era tecnológica, um sistema de ordem internacional deverá ser encontrado, mais socialmente justo e ecológico. Para tal uma filosofia deverá existir para servir de suporte a esse arranjo mundial, em que os países e as pessoas possam perceber a sua racionalidade, para assim mobilizarem a sua energia nessa construção. Uma ordem internacional que não seja determinada por uma classe social, na ânsia de controlar mais recursos, por razões de domínio económico, nem por uma nação militarmente forte, será necessária para desenhar um outro mundo, com as instituições adequadas para tal.

O Neo humanismo é um forte candidato a ser essa filosofia, com a sua visão da natureza humana, reconhecendo a dimensão espiritual da nossa realidade, contrapondo às visões materialistas que moldaram as vidas sociais nos séculos XIX e XX (Comunismo e Capitalismo). Nesta filosofia todos os seres são importantes por apenas existirem, incluindo os do mundo não humano, o que guiará no desenho de soluções para os problemas da sociedade humana. Esperamos que perante cenários de destruição global e ameaças de extinção, os princípios de Prout possam ser aplicados, evitando-se o foco na criação de poderes centralizadores políticos e económicos, apostando-se na criação de estruturas de tomada de decisões mais descentralizadas, mais próximas das pessoas, mais próximas da realidade…

Mas mais importante do que a democracia política é a democracia económica, tópico a ser explorada no próximo artigo, em que se propõe o abandono do sistema capitalista, não porque é giro, mas por necessidade, cada vez mais urgente…

Francisco Dinis
Membro da Equipa do Prout Research Institute de Portugal

Notas:
(1) – https://www.youtube.com/watch?v=ESwIVY2oimI&t=1685s
(2) – https://en.wikipedia.org/wiki/Wolfowitz_Doctrine
(3) – https://www.cato.org/sites/cato.org/files/articles/preble_rice_doctrine.pdf

Shanti AgostinhoComo melhorar a Democracia Hoje? Com uma nova Visão…

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