Relembrar que estes Princípios são orientações, que guiam políticas, para alcançar uma sociedade de abundância para todos. E se é esse o nosso objetivo, o crescimento da riqueza individual ilimitada é um obstáculo a isso. Uma parte das pessoas foge da análise desta ideia instintivamente porque vivem na fantasia de que devido à sua inteligência e esforço poderão ser um dia um Bill Gates, um Steve Jobs, etc, com alguns a justificar que com esse dinheiro “vão fazer coisas boas para todos”. Tudo muito bem quando falamos de escalas pequenas, no entanto, a acumulação exagerada de riqueza nas mãos de alguns afeta negativamente o próprio crescimento da economia real e outras consequências não positivas para a sociedade, a apresentar neste texto. A acumulação de riqueza sim, mas num modelo de descentralização e de democracia económica, como o apresentado por Prout.
Quando falamos de limitação de riqueza individual, há dois aspetos a ter em consideração. Um é estabelecer um limite ao rendimento; o outro é estabelecer um teto à quantidade de riqueza que uma pessoa pode acumular. Quando consideramos limites máximos ao rendimento, devemos também observar duas categorias: o rendimento do trabalho e aquele que é obtido por ser titular do capital. O primeiro princípio engloba todas estas formas de riqueza.
Para deixar claro sobre a diferença entre riqueza e rendimento, podemos dizer que a primeira são ativos materiais (casas, carros, fábricas, etc) que uma pessoa, agregado familiar ou instituição possui. O rendimento é o montante total do valor monetário ganho durante um determinado período, um fluxo monetário.
Thomas Picketty no seu livro “Capital in the 21st Century” tenta responder à questão, se a estrutura do capitalismo elimina a desigualdade económica ou a reforça? Existe uma crença entre os economistas em que o capitalismo reduziria a desigualdade, entre os ricos e os pobres, no longo prazo.
Na ciência económica a hipótese das curvas de Kuznets sugere que a desigualdade cresce quando os países iniciam processos de industrialização, mas depois cai. Piketty discorda, dizendo que o capitalismo cria mais disparidade económica. Estas diferentes conclusões podem ser justificadas pelas épocas dos dados analisados, as curvas de Kuznets foram construídas com dados de riqueza e rendimento recolhidos dos finais do século XIX e princípios do século XX. Piketty usou dados do século XIX até ao início do século XXI, uma série temporal mais ampla.
Piketty observou que ao longo da história o retorno do capital – significa lucros ou juros ganhos em investimentos financeiros – geralmente excede o crescimento global de toda a economia. Os retornos de capital mantiveram-se relativamente constantes à volta de 5% para quem possuía ouro, ações, terras ou investimentos. O crescimento da economia ao longo dos séculos anteriores rondou sempre pouco mais do que 0%, excetuando se os 2 últimos séculos, com crescimento anual a rondar o 1 e 2 %.
Vamos ver um exemplo hipotético entre duas personagens: a Vera e o Bruno. Ambos têm um rendimento anual igual de 20.000 euros, que gastam praticamente tudo com as suas despesas familiares. No entanto, a Vera herdou 10 milhões de euros, assim aplicando a média anual de rendimento de capital, todos os anos ela tem 500 mil euros disponíveis. Ao fim de 10 anos a Vera poderá acumular até um total de 15 milhões de euros e o Bruno, por muito que trabalhe, terá a hipótese de em 10 anos acumular alguns milhares de euros. Os proveitos económicos deste sistema tendem a ficar nas mãos dos grandes proprietários, não porque fazem alguma coisa extraordinária no mundo económico, mas apenas por serem proprietários. Uma coisa é ser empreendedor, outra coisa é ser herdeiro de fortunas.
Neste link de acesso aos dados da Reserva Federal Americana (ver https://www.federalreserve.gov/releases/z1/dataviz/dfa/distribute/table/) podemos observar a distribuição da riqueza entre os Top 1 % e o conjunto de 50% da população com menos rendimento, desde dos anos 80 do século passado. É visível o crescimento do fosso entre os super ricos e os mais pobres, numa sociedade que se industrializou há muito tempo.
Outra questão, a riqueza acumulada em excesso raramente é utilizada de forma produtiva, acabando no mundo da especulação e do jogo. A maior parte do dinheiro é utilizado em atividades especulativas, focadas na acumulação de dinheiro no curto prazo, sem benefícios tangíveis para a sociedade. O dinheiro é um recurso, que deve ser usado de forma eficiente para a sociedade e não pode ser desviado da economia real.
A acumulação de riquezas nas mãos de alguns e o poder económico inerente não é bom para o desenvolvimento de uma economia harmoniosa, onde todos possam sentir que as suas necessidades estão a ser atendidas e poderem viver uma vida digna e com tempo para outras atividades como seres humanos.
Como o sistema não resulta no longo prazo, a economia acaba por apresentar crises cíclicas, para sofrimento de uma grande parte da população, com o desemprego, com a falta de rendimentos dignos e o recurso ao Estado acaba por acontecer muitas vezes para salvar o capitalismo, com transferências de dinheiro fora dos mecanismos do mercado.
A qualidade na vida pública é aferida por um sistema de governo com partilha do poder e a sua fiscalização (“Check and Balances”), que teoricamente seria conseguido pela democracia política, para que através da discussão bem fundamentada fossem tomadas as melhores decisões para a sociedade num determinado momento. Contudo o poder económico de alguns pode capturar o processo de decisão público e os caminhos a seguir acabam por beneficiar os seus interesses e não das pessoas como um todo. As estatísticas demonstram que para ser eleito para o congresso dos EUA é necessário que o candidato tenha mais dinheiro para a sua campanha, do que os restantes. E 65 % dos fundos são provenientes de 1% dos mais ricos da sociedade norte-americana. Assim quem está com o poder de tomar decisões que regulam a sociedade está desde logo comprometido com alguns interesses particulares.
A limitação à acumulação de riqueza, sem o consentimento da sociedade, é um requisito para a construção de uma economia mais equilibrada, mais ecológica e mais justa. Deste Princípio nascem então um conjunto de políticas que ajudam a alcançar este objetivo. Em futuros artigos analisaremos estas e quais as que devem ser implementadas.
Francisco Dinis, Membro da Equipa do “Prout Research Institute Portugal”
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